O café nos acompanha numa volta ao mundo gastronômica. Ele é um produto universal, que pode ser encontrado no mundo todo e que faz parte dos usos e costumes de muitos e muitos países e regiões.
Um produto que viaja muito. Para se ter uma idéia, basta dizer que o comércio mundial de café, em termos de volume de dinheiro, em dólares, só perde para o petróleo.
Provavelmente originário da Abissínia e comercializado inicialmente pelos árabes, o café chegou primeiro à Europa depois à América. Antes mesmo de descoberta a América, no século XIII, os europeus já conheciam o café. Essa planta chegou às Antilhas no século XVIII e logo se espalhou.
O café é hoje uma bebida mundial por excelência, talvez a mais consumida e faz parte da dieta diária em muitos países.
É desnecessário falar sobre a importância do cafezinho na vida do brasileiro. Nós tomamos café, e bastante café, quase que automaticamente. E, no entanto, há café para todos os gostos, para todas as ocasiões e clima. As maneiras de preparar o café variam muito e os costumes que o cercam também. Como veremos na nossa “volta ao mundo”:
Para os brasileiros o aroma de café tem um significado especial: remete lembranças de fazenda, de família, brincadeiras, fogão à lenha e bons tempos, pois, como se sabe, no início do XX o café sustentava a economia no país e muitas pessoas tiveram sua infância vivida em grandes fazendas de café.
No Brasil, o café torrado e moído é o mais querido. O café tradicional é forte e encorpado, tanto que aqui temos o costume de tomar uma xícara de aproximadamente 60ml enquanto que em outros países tem-se o costume de tomar café em grandes canecas justamente por ser mais diluído.
Nossos bons Cafés têm sabor potente, marcante, mas também equilibrado, com um retrogosto longo, que fica bastante tempo na boca. O corpo da bebida é bastante valorizado, bem como a cor, resultante de uma torra médio-escura; o aroma também é um grande indicador da qualidade do café, deve ser fresco, e é desejável que sua sensação provoque lembranças de toques achocolatados e amendoados.
Talvez os americanos gostem quase tanto do café quanto o brasileiro. E é um amor antigo. Os Estados Unidos importam hoje perto de 1/3 do total exportado e o consumo é realmente grande. Ele faz parte da vida de quase todo mundo nos Estados Unidos. O dia começa nos E.U.A. com uma caneca de café acompanhando o breakfast, o desjejum, uma verdadeira refeição.
Nos Estados Unidos, o jeito de fazer café é diferente do nosso, pois ele é bem mais fraco, com muito mais água. Em compensação, é tomado em xícaras grandes, ou canecas. O café expresso, no entanto, mais forte e em xícaras pequenas, vai se tornando cada dia mais popular nas cidades grandes, principalmente em Nova York, onde a influência italiana é grande.
Aos Estados Unidos é atribuída a invenção do coffee break, da parada para o café. Quem fez essa afirmação não conhece os hábitos brasileiros. Em todo caso, o coffee break faz parte do “ american way of life” há muito tempo.
No século passado, no tempo dos pioneiros que desbravaram o Oeste, o café já era a bebida preferida dos americanos. O cowboy carregava com ele o seu café e as imagens que o cinema nos passa mostrando não é nada exagerada. Em 1870 já existiam não Estados Unidos cafés embalados e marcas populares, entre os quais o Arbuckles era dos mais famosos.
A Europa já conhecia o café desde do século XVII, mas ele entrou mesmo no Continente a partir da primeira metade do século XVIII, provavelmente por Veneza, que comerciava bastante com os árabes e onde foi aberto o primeiro estabelecimento para vender o produto, o primeiro café, em 1645. Uma casa que se tornou popular rapidamente, ponto de encontro de músicos e homens de letras. A designação “café veneziano” ficou sendo sinônimo de ponto de encontro de intelectuais.
E o café chegou a Itália para ficar, apesar de tantas campanhas contra, principalmente de mulheres, que ficavam ciumentas com o fato dos maridos passarem mais tempos nos cafés. Chegaram a dizer que o café era uma “bebida do diabo” e o levaram ao papa para que este o condenasse. Mas o papa provou antes de dar o seu veredicto e resolveu “batizar o café” para que Ele se tornasse “cristão”. Apenas uma das muitas histórias em torno do café.
O certo que a Itália se tornou uma adepta realmente fervorosa do café. Hoje em dia 30 milhões de italianos tomam uma média de três xícaras de café por dia. O dia também começa com um café, muitas vezes com um cappuccino, com creme. O italiano é muito exigente em relação ao café. Nos cafés italianos, a máquina dominou, o café expresso é realmente popular em toda península.
E o paladar italiano parece favorecer o café curto, realmente forte e com uma espuma marron clara. Apenas um gole ou dois na xícara e é tudo.
No inverno, como em quase todos os países da Europa, o consumo do café aumenta e é comum misturá-lo com um pouco de grappa, com aguardente feita com o bagaço de uva, ou, como no Vale d’ Aosta, com grappa, vinho tinto e casca de limão, o caffé alla valdostana.
Na França, o entusiasmo não é menor. É difícil mesmo imaginar Paris sem os seus cafés com mesinhas na calçada, sem as pessoas gastando horas em conversas intermináveis em torno de taças de café expresso. Em Paris, é difícil andar duas quadras sem encontrar um café. O parisiense socializava no café. É muito difícil receber alguém em casa. Em compensação, toda vizinhança se encontra num café local. Para se ver quem é da vizinhança, basta ver a reação do dono do café. Ao freguês habitual, é oferecido um aperto de mão e alguns comentários sobre assuntos comuns.
Pela manhã, é comum o café au lait com um crossant, ou uma tartine, isto é baguete com manteiga, e durante o dia muitas paradas nos balcões para um expresso, muitas vezes bien serré, isto é bem forte, curto.
E não é um hábito apenas parisiense mas sim de todas as cidades, inclusive das pequenas vilas da “France profonde”, nas quais ele é o centro da vida social, onde são discutidos os assuntos do sai, joga-se na loto e no tiercé (corrida de cavalos) e se comenta os resultados.
No inverno também há o hábito de misturar o café, ou tomar um ao lado de outro, com algum álcool forte, principalmente o calvados, uma aguardente feita de maçã. O café-calvá é uma instituição parisiense.
E a história dos Cafés franceses vem de longe, de 1654 quando o primeiro deles foi instalado em Marselha para vender a infusão com o café vindo da Arábia. Também na França sofreu muita oposição, mas foi favorecido por Luís XIV, que achava que ele combatia a embriagues, um problema que considerava sério. Para ele, era melhor ficar num café do que se embriagando na Rive Gauche.
Alguns cafés ficaram famosos, como o do italiano Procope , que se instalou em 1689, perto da Comédie Française e que teve clientes famosos, como Diderot e Voltaire , um entusiasta, e tantos outros. O café mudou muitas vezes de dono e de lugar e acabou fechando em 1986, quando estava instalado na Rive Gauche.
Entre os seus opositores, ficou célebre Madame de Sevigné, que foi uma excelente observadora dos hábitos de sua época, mas péssima profetiza. Sua profecia: “o café vai desaparecer tão rapidamente quanto Racine, que até hoje é considerado um dos maiores dramaturgos da língua francesa”.
Segundo Alfred d’ Escragnolle de Taunay, a Alemanha teve a honra de “Ter feito sair dos seus prelos a primeira referência à bebida da infusão arábica. É a de Rauwolf, em 1582, na sua famosa viagem a Aleppo”.
E a história do café na Alemanha é cheia de altos e baixos, de grandes, famosas e inúteis campanhas contra a bebida. Em 1670 já havia um estabelecimento comercial dedicado á venda da bebida.
E a história do café não se faz tardar. Diziam barbaridades, inclusive que ele tornava as mulheres estéreis. Não era bem isso, era provavelmente também ciúme dos tempos passados no café. Em defesa do café se insurgiu nada menos do que Johann Sebastian Bach, um dos grandes músicos de todos os tempos e entusiasta da bebida, que compôs a Coffee Cantata, a cantata do café (n°221de suas Cantatas Seculares, publicada em Leipzig por volta de 1732). Os versos satíricos para a cantata foram compostos por Picander e começa dizendo que o café com açúcar era melhor que mil beijos e mais doce que o vinho moscatel.
Aliás, nessa época, era costume misturar o café com muitos ingredientes como a cevada, mostarda, aveia, vinho e mel.
Frederico, o Grande, se insurgiu contra o café por razões econômicas pois ele estava fazendo concorrência com a cerveja alemã. Na época, era costume se tomar pela manhã a cerveja com cevada. O rei Frederico teve de se curvar mais tarde, mas não perdeu o tino comercial. Estabeleceu um privilégio real para a importação de café e o restringiu aos nobres.
A democratização dos pais levou o café para todas as classes e hoje o alemão é um grande apreciador de café, que normalmente faz coado, embora o expresso seja também popular.
A Alemanha tem uma confeitaria maravilhosa e adora os seus doces. Além do tradicional café ao fim das refeições, o alemão costuma muitas vezes fazer uma pausa para saborear um doce, uma Floresta negra, digamos, com café. É a kaffeeklatsch, o café da tarde. Nesse país é comum o café com leite condensado, ou creme de leite.
Em Portugal, quase todas as casas acordam com o café de coador. Pela manhã, o hábito é um café com leite, mas depois muitos cafés puros são consumidos diariamente. Os cafés são comuns em Lisboa desde o século XVIII, quando eram pontos de reunião de intelectuais. O café Marrare era famoso no início do século e o filé que inventou também passou a ser conhecido como “filé a café”.
Em Lisboa e em todas as cidades, o hábito da “bica”, do cafezinho que escorre quente da máquina é bastante popular. A passa para o cafezinho não é, como se vê, privilégio nosso.
A Espanha também gosta muito do café, da pausa para o café. A paixão nacional é os tapas com vinhos, reuniões informais antes do almoço e jantar para provar uns tira-gostos e tomar alguma coisa, normalmente vinho. Mas o café, muitas vezes disputa com o vinho e outras bebidas o privilégio de acompanhar as discussões e conversas animadas desses intervalos. É lógico que os espanhóis também terminam suas refeições com café e também o consomem no lanche da tarde, e na merienda. É bem comum, quase rotina, sete refeições (ligeiras ou substanciosas) por dia. E o café costuma acompanhá-las.
O café grego e o que se toma na Síria são muito parecidos, ambos são feitos por decantação e ambos parecem seguir o velho ditado turco: “o café deve ser preto como o inferno, forte como a morte e doce como amor”. É costume se misturar o açúcar diretamente no pó e levar a um bule especial, de gargalo bem fino. Ele é fervido três vezes e pode-se colocar um pouco de água para apressar a decantação.
Na Grécia, Síria e Líbano esse ritual se repete muitas e muitas vezes ao dia. E há mesmo um ritual em torno disso. Nos países árabes é costume servir a pessoa mais velha primeiro e nunca encher a taça. Uma taça cheia quer dizer que a pessoa não está agradando, deve partir rapidamente.
A influência turca é evidente, mas as razões políticas também aparecem. Na Grécia, por exemplo, era costume se pedir “un turco” (ena tourkiko). Mas depois de muitas disputas entre os dois países, venceu o nacionalismo e hoje se pede “um grego” (ena elliniko). O modo de pedir pode variar, mas a paixão pelo café não muda.
Na China o café está entrando agora. Temos que reconhecer que o chá é mais popular. Mas nada é imutável, os gostos podem mudar. Afinal, quem poderia pensar que o café iria sobrepujar o chá na Inglaterra. Pois bem, segundo notícia publicada no New York Times, atualmente o café é mais popular que o chá na Inglaterra. As vendas do café sobrepujaram as do chá...
Para encerrar esta volta ao mundo gastronômico com o café, deixamos aqui registrado que, o Brasil produz um dos melhores cafés do mundo e nós podemos nos dar o prazer de saboreá-lo. Prestigie!